Suas atividades sindicais começaram antes da sua posse como Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil em virtude da criação do famoso Fosso Salarial. “Nós somos de um concurso que a gente chama dos enfossados, quando foi criado o Fosso Salarial, que era a distância entre o salário de quem já estava no cargo e nós desse concurso. Eles criaram um nível a mais só que abaixo do primeiro nível, criaram menos um”, conta.
Foi por conta dessa situação que ingressou na luta sindical da qual nunca mais se afastou. “A atividade sindical é uma coisa que sempre esteve na minha vida funcional. Antes disso, fui fiscal estadual na Paraíba, onde liderei greve por lá e, depois disso, fui do fisco estadual de Rondônia tendo também participado do Comando de Mobilização. É algo que a gente está há bastante tempo”, afirma Marcão, como ficou conhecido durante sua atuação como dirigente sindical. Em sua jornada de defesa da categoria, foi presidente da DS/Sorocaba e coordenador do Comando Regional de Mobilização da 8ª RF (Região Fiscal) e do Comando Nacional de Mobilização durante o mais longo movimento paredista realizado pelos Auditores Fiscais.
Em entrevista a DS/São Paulo, Marcus fala sobre a importância do sindicalismo para a classe, dos acertos e erros na condução da Campanha Salarial e sobre o contexto político do país. Confira!
Na sua opinião, qual a importância do sindicato na vida laboral dos Auditores Fiscais?
Marcus Dantas: As instituições precisam se aprimorar e a Receita Federal não é diferente disso. Temos um órgão muito rígido. Muitas vezes, a crítica dos colegas não chega onde deveria, as coisas não acontecem, não mudam. O sindicato tem o papel de fomentar a crítica e, consequentemente, de fomentar o aperfeiçoamento das instituições. Eu vejo o sindicalismo com esse papel de propiciar a melhoria da própria instituição e, ao mesmo tempo, fazer também a defesa dos colegas. Não apenas do ponto de vista financeiro, mas também do ponto de vista funcional. Eu brinco que cada clique, cada enter que dou no computador, posso ser demitido. Todo ser humano está sujeito a erros e nós também. Nosso trabalho envolve uma série de especificidades. Para isso, você tem que ter um aparato sindical que lhe proteja. Uma das razões de termos um dos maiores índices de sindicalizados no Brasil, cerca de 90% dos colegas são sindicalizados exatamente por causa disso.
A classe está na Campanha Salarial desde 2014, sendo uma das mais longas da história do cargo. Ao longo do tempo, uma das principais bandeiras da categoria é a aprovação e, agora, a regulamentação do Bônus de Eficiência. Durante esse período, quais foram os desafios na batalha por essa gratificação?
MD: Eu era presidente de uma Delegacia Sindical pequena, a DS/Sorocaba, no interior de São Paulo. Lá, fizemos a mobilização local e a greve se estendeu por um ano. O colega que estava à frente do Comando Regional da 8ª RF saiu e eu fui convidado a assumir. Eu já tinha participado do Comando muitas outras vezes como representante regional, até então, sem maiores problemas. Mas o coordenador nacional do Comando, Auditor Fiscal Levindo Siqueira, por problemas de saúde, se ausentou. Como eu era o coordenador substituto, assumi o comando e fiquei coordenando por quase um ano no auge da mobilização. Esse foi o maior desafio: assumir a coordenação do Comando naquele momento em que um governo estava caindo enquanto um outro governo estava assumindo o poder e não se sabia se ia ou não respeitar o acordo. Primeiro, disseram que sim, depois trataram como que não. Esse foi certamente o momento mais difícil para mim em termos, inclusive, profissionais. Eu tinha que lidar com pessoas do Brasil inteiro, centenas de pessoas todos os dias, milhares de mensagens, literalmente. Chegavam cerca de duas mil mensagens em um dia ruim, estamos falando de sábado, domingo. Foi um ano de muitos percalços, muitas oscilações. Estávamos eufóricos, achávamos que ia dar certo e aí, de repente, não funcionava. Cai a Dilma, entra o Temer e quando a coisa estava funcionando, tem a denúncia contra Temer. Ah, vai ter impeachment ou não vai? E o Congresso ficou refratário. Todos esses elementos complicaram imensamente nossa atividade e a nossa atuação. Foi um ano bem difícil.
Na sua avaliação, quais foram os erros e acertos na condução da mobilização?
MD: Eu diria que o principal erro é que nós confiamos demais na Administração da Receita Federal do Brasil. Recuamos em momentos que não poderíamos ter feito isso. Tínhamos que ter avançado e ter garantido nossas reinvindicações. Demos três tréguas em momentos que foram muito ruins e, com base nisso, o governo não cumpriu sua parte no acordo e nós tivemos que retomar a mobilização. E então, demos uma segunda trégua e depois mais uma vez retomar a mobilização. Quer dizer, não se faz isso. Esse, ao meu ver, foi o principal erro de condução do movimento. Acho que, se não tivesse feito isso, teríamos tido condições de avançar e, assim, teríamos regulamentado isso há dois anos, possivelmente. Como vitória, vejo a capacidade da categoria se mobilizar e ela fez isso. Por três vezes, nós saímos da mobilização e voltamos. Então, a categoria, apesar de tudo tem uma grande resiliência de luta, de persistência. Claro, muitos colegas se acomodaram, muitos colegas não participaram, mas aqueles 40% estavam sempre lá, firmes, e eu acho que isso tem que ser louvado. Não conheço nenhuma categoria no mundo que consiga fazer uma greve por três anos e com tantas reviravoltas, como nós estamos conseguindo. Se nós vamos ter um resultado concreto ou não, é imponderável, mas acho que o principal a se destacar é que a categoria tem capacidade de mobilização, tem força quando acredita, quando se mobiliza. Isso é um fato.
Qual sua posição sobre a paridade dentro do Bônus de Eficiência?
MD: Eu tomei posse como Auditor Fiscal em 2002, portanto, tenho direito a paridade e integralidade, é um direito constitucional também meu. Na ocasião, ainda não era do Comando de Mobilização, mas participava das assembleias. Estávamos há dias, eventualmente, há horas da presidente Dilma Rousseff cair. Então, fechamos um acordo literalmente nos últimos minutos do Governo Dilma e não teríamos feito isso se aquela condição histórica não estivesse posta. Ou você fechava o acordo ali ou corria o risco de ficar sem nada ou sem saber o que ia acontecer. Então, foi algo muito ruim para os aposentados, eles se sentem traídos e eu compreendo perfeitamente o sentimento, mas, naquela ocasião, a categoria entendeu, e eu também, de que era importante fechar aquele acordo. Se não o fechassemos, não teria reajuste nenhum. Zero é muito ruim e, falando muito francamente, nós que estávamos a frente da mobilização tínhamos certeza que conseguiríamos resgatar essa questão a curto prazo. Talvez tenha sido um pouco de ingenuidade nossa de acreditar que a com a luta política faríamos esse resgate. Aparentemente, as coisas não aconteceram dessa forma pelas razões que eu disse. Não deveríamos ter recuado. Por outro lado, existe a esfera judicial e eu não tenho dúvidas de que eu e todos aqueles aposentados teremos direito a paridade em um curto espaço de tempo.
Como o contexto político pode ter afetado a mobilização dos Auditores Fiscais?
MD: O principal entrave foi justamente a tomada de decisão. Fazíamos uma avaliação de conjuntura e a conjuntura mudava radicalmente. Existia uma presidente que era de esquerda ou de centro esquerda que caiu. O grupo que assumiu é de direita composto por deputados, pessoas que nunca tinham tido protagonismo político e, de repente, se tornam atores importantes. Pessoas essas que tinham uma animosidade contra nós. O cenário mudou radicalmente com a queda da Dilma. Logo na sequência, nos primeiros meses do governo Temer, a coisa caminhava para uma regularização e veio a primeira denúncia da JBS. O momento era crucial. Estávamos fechando o acordo, a Dilma cai. Quando estávamos efetivando o acordo, Temer sofre sua primeira denúncia e fica refém de forças do Congresso Nacional que são perniciosas contra nós, Auditores, e contra a própria sociedade. Na sequência, quando estávamos quase lá, veio a segunda denúncia contra o Temer e não existe mais governo. O presidente não consegue mais sequer editar um decreto por que a base governamental, o famoso Centrão, não deixa. Eu não creio que, na história da Humanidade, exista um caso que, em um ano tenha um impeachment e dois quase impeachment. E esteve envolvido nesse processo e pilotando uma mobilização de uma categoria complexa em condições muito adversas e em situações que você não conseguia prever quem será o presidente. Nos perguntávamos: quem vai ser o presidente na próxima semana? A Dilma fica? Ou a Dilma cai? Ninguém sabia. Depois da JBS, quem vai ser o próximo presidente? O Temer está fora, achávamos isso. Vai ser o Maia? Se for o Maia, complica, pois ele tem uma visão de mercado. Ah, não, pode ser que chamem novas eleições. Enfim, esse cenário muito volátil complicou muito nossa vida. Não estou eximindo nem a mim, nem as lideranças da condução porque já apontei o nosso problema, recuamos no momento errado. Mas, com certeza, foi um complicador imenso.
Qual a importância do trabalho do Auditor Fiscal na luta contra a corrupção e a sonegação?
MD: A principal operação contra a corrupção no Brasil se chama Lava Jato. Ela mudou a cara do país. Literalmente tirou uma presidente e quase tirou seu sucessor que se segurou nos últimos capins do solo. A Lava Jato surgiu com um auto de infração de um colega que fez uma representação ao Ministério Público. Esta, por sua vez, chegou até o juiz Sérgio Moro, que iniciou o processo e mandou investigar. Na sequência, vários Auditores ingressaram na chamada Força Tarefa Lava Jato e, para nós, foi extremamente importante tanto ter participado do início quanto ter mantido a operação mesmo durante a mobilização. Em todos esses momentos, excepcionamos a operação Lava Jato e outras operações de combate ao desvio de verbas públicas. Exatamente porque entendíamos que esse é o caminho da Receita Federal que nós gostaríamos que existisse e é o caminho que a sociedade espera de nós. Hoje em dia, o Auditor é visto como o cara que pede recibo médico e fica pegando muamba que quem vem de Miami. Somos mais que isso. A Operação Lava Jato não existiria se não fosse nosso trabalho e se não tivéssemos excepcionado a Força Tarefa Lava Jato da greve, muitas pessoas estariam soltas e muitos corruptos de grande coturno estariam felizes da vida. Nosso trabalho foi determinante e excepcionar a Lava Jato e outras operações foi fundamental para que elas tivessem prosseguimento. É um caminho da Receita Federal e os Auditores querem isso. Agora tem uma contrapartida, a administração não divulga o trabalho da Receita Federal, não prestigia os Auditores Fiscais. Ou ela é tímida ou é omissa ou ainda, as duas coisas.
Você se desligou tanto da atividade sindical quanto da condução regional da greve. Por que tomou essa decisão?
MD: Eu me licenciei da DS/Sorocaba e também do Comando de Mobilização, porque eu fui convidado a ser pré-candidato a deputado federal pelo Major Olímpio [deputado federal pelo PSL/SP], um grande parceiro nosso ao longo do processo de mobilização. Ele nos convidou a representar os Auditores Fiscais no parlamento haja vista que ele é pré-candidato a senador. Ele disse: “preciso de alguém que fique no meu lugar e o Fisco Federal deveria indicar alguém”. O nome que surgiu foi o meu. Houve o convite e nós nos filiamos ao partido dele. Por conta de uma exigência da legislação eleitoral, eu tive que me licenciar da RFB e tive que também me licenciar do sindicato e do Comando.
Dentro dessa pré-candidatura, quais são seus projetos e ideias?
MD: A nossa ideia é criar uma verdadeira frente dos fiscos para que possamos fazer uma articulação política, pois percebemos que há muitos problemas em comuns nas três esferas: municipal, estadual e federal. Podemos até, quem sabe, influenciar na questão da Reforma Tributária que vai estar posta quem quer que seja o próximo presidente. Essa é nossa principal bandeira. Existe uma série de medidas que estão sendo engendradas e sabemos que, qualquer que seja o próximo governo, alguns ataques virão. É importante ter voz e articulação política para que possamos nos defender. Esse é o nosso projeto. Por isso aceitamos a missão de ser pré-candidato e estamos disputando ideias e coração e mentes.