O processo em curso constitui, sem dúvida, a mais profunda reformulação do órgão desde a sua criação e transcorre no bojo de um projeto maior, a reforma administrativa que o governo pretende implementar na máquina pública federal.
Pelo novo desenho, o número de superintendências será reduzido pela metade. Serão cinco: a 1ª Região Fiscal contemplará as regiões Norte e Centro-Oeste, com exceção do Mato Grosso do Sul; a 2ª RF vai abarcar todo o Nordeste; a 3ª RF corresponderá à região Sudeste, menos o estado São Paulo, que será a 4ª RF; por fim, os estados do Sul irão compor a 5ª RF, junto com o Mato Grosso do Sul.
Os processos regionalizados serão estruturados em seis áreas: Gestão do Crédito Tributário, Atendimento, Fiscalização, Controle Aduaneiro e Repressão, Tributação e Contencioso e Gestão Corporativa. Serão executados localmente apenas processos que demandem presença física: atendimento presencial e partes da vigilância, do controle aduaneiro e da gestão corporativa. A intenção é reforçar o teletrabalho.
Entre outras medidas, as divisões das superintendências serão substituídas por um grupo de assessores, com criação de uma área para gestão estratégica e inovação. Serão criadas também Delegacias Especiais de Administração Tributária (Derat) e Delegacias Especiais de Fiscalização (Defis), para coordenação e execução dos respectivos processos de trabalho. Cada superintendência terá uma Delegacia (ou Centro Regional) de Repressão. Delegacias com até 100 servidores serão transformadas em agências. Será criada em cada capital uma delegacia estadual, que ficará incumbida da representação institucional, do relacionamento com órgãos públicos e do gerenciamento do atendimento presencial de todo o estado.
A proposta institui também seis Delegacias Especiais de Maiores Contribuintes (Demac), para atuar por setor econômico; uma Delegacia Especial de Pessoa Física (Derpf) e uma Delegacia de Operações Especiais de Fiscalização, todas com jurisdição nacional.
ANÁLISE - Não é de hoje que se comenta que a excessiva verticalização e o engessamento na estrutura da Receita Federal criaram um monstro gerencial, alimentado ano após ano pela acomodação leniente e pela ausência de autocrítica que tomaram conta do estamento burocrático. O órgão fugiu da ingerência política externa, mas sucumbiu ao jogo político interno, nem sempre alinhado com os interesses da sociedade.
Unidades regionais e locais viraram feudos, gestores foram perdendo a conexão com a realidade do órgão, os processos-meio começaram a ganhar prevalência sobre os processos-fim, desvios de função se tornaram triviais. O elenco de “anomalias” é extenso.
Em 2007, com a fusão dos fiscos, a Secretaria da Receita Previdenciária, órgão mais horizontal, descentralizado, onde a grande maioria dos Auditores atuava na atividade externa de fiscalização, acabou engolida pela Receita Federal, que impôs e ampliou seu modelo gerencial anacrônico.
Mas a blindagem institucional não resistiu a um “benchmarking” com outros órgãos públicos. A intensificação da cooperação interinstitucional nos últimos anos, no âmbito de forças-tarefa como a da Lava Jato, permitiu que a Receita conhecesse mais de perto a realidade de outros órgãos. E a comparação não deixou dúvidas: tínhamos ficado pra trás. Para as forças-tarefa funcionarem na Receita, foi necessário criar caminhos próprios, com equipes especializadas, fora da estrutura hierárquica padrão do órgão.
Enquanto em outras instituições se buscava cortar níveis hierárquicos e dinamizar a comunicação cúpula-base, a Receita aprofundava a verticalização e tornava mais longo e difícil o caminho da informação. Enquanto em outros órgãos, já não se tinha dúvida acerca de quem executa a atividade-fim e quem executa a atividade-meio, quem detém poder de decisão e quem é cargo de apoio, a Receita ficava patinando com um mapeamento de processos que iria, ainda mais, engessar a máquina administrativa. Enquanto em outros lugares, diretrizes e projetos institucionais são respeitados pelo corpo profissional do órgão, os projetos de lei de interesse da Receita eram sabotados abertamente por pessoas da casa dentro do Congresso Nacional.
A soma desses e de tantos outros fatores indica, já há algum tempo e com mais força a partir de 2015, que o modelo gerencial que vem pautando o funcionamento do órgão está esgotado. Enquanto havia sobra de recursos, isso ia sendo relevado. Com o contingenciamento orçamentário e o aprofundamento da crise fiscal, o que já era óbvio virou fratura exposta. A reestruturação é o tratamento de choque necessário à sobrevivência do paciente. Mas é preciso saber dosar o remédio para não provocar efeito contrário ao pretendido.
A complexidade e amplitude das atribuições da Receita Federal recomendam que qualquer alteração estrutural seja antecedida de um acurado e cuidadoso processo de discussão interna. O primeiro e mais fundamental passo para que a intervenção surta o efeito que dela se espera é abrir espaço para que os Auditores-Fiscais possam se manifestar e sugerir ajustes ao processo. É temerário centralizar as decisões em torno de uma mudança tão drástica no órgão. Ninguém melhor que os próprios Auditores para fazer diagnósticos específicos, indicar gargalos e apontar soluções de aprimoramento.
Uma das preocupações que afligem a classe é, por exemplo, a dimensão geográfica da 1ª Região Fiscal, que irá contemplar todo o Norte e o Centro-Oeste, excluído o Mato Grosso do Sul. Para se ter uma ideia, a nova jurisdição responderá por quase 60% do território brasileiro e por quase 80% das fronteiras terrestres.
Entre os pontos que também estão causando apreensão está o risco de invasão de competências privativas, diante do completo redesenho a que a instituição está sendo submetida, e de perda de adequada estrutura de apoio ao trabalho dos Auditores.
O Sindifisco Nacional estará vigilante quanto às diretrizes informadas pela administração, de que haverá efetiva redução da verticalização, maior autonomia aos Auditores da ponta, com desconcentração do poder decisório, hoje ainda muito centrada nas mãos dos ocupantes de DAS. A Direção Nacional considera fundamental que a administração inclua os Auditores-Fiscais no debate da construção da “Nova Receita Federal” e atuará para que as demandas da classe sejam ouvidas pelos tomadores de decisão na Receita e no governo.
Jornalismo DEN
Last modified on Sexta, 05 Abril 2019