Os trabalhos duraram cerca de dois anos e tiveram como alvo o Seconci (Serviço Social da Construção Civil), entidade que, de acordo com a reportagem, é responsável pela gestão de hospitais estatuais e municipais, e pelas unidades de Assistência Médica Ambulatorial da Prefeitura de São Paulo, tendo recebido R$ 3,5 bilhões em contratos desde 2014.
O caso é apenas mais um exemplo da importância da atuação da Receita Federal e de como esse trabalho de investigação, originalmente focado em questões tributárias, pode resultar no desencadeamento de grandes investigações criminais. Diante dos indícios observados pela Auditora-Fiscal responsável pelo procedimento administrativo, a Receita Federal encaminhou uma representação de improbidade administrativa ao MPF (Ministério Público Federal), com as “respectivas provas e elementos de convicção”, para que a denúncia seja formalmente oferecida à Justiça.
“Esse é um caso em que a Receita não poderia atuar nem comunicar indícios de crime”, declarou ao Sindifisco Nacional o Auditor-Fiscal Kleber Ramos da Silva, chefe da equipe de fiscalização da Defis, em alusão à recente tentativa de parte do Congresso Nacional de impor uma “mordaça” aos Auditores e à Receita Federal. No âmbito da Medida Provisória 870/19, que tratou da reestruturação do governo federal – com a redução de 29 para 22 ministérios – os senadores Eduardo Braga (MDB/AM) e Fernando Bezerra Coelho (MDB/PE) patrocinaram uma emenda “jabuti” à MP para limitar as investigações da Receita Federal e criar óbice às comunicações de crimes identificados pelos Auditores.
Nas entrelinhas, a proposta buscou fechar uma porta pela qual transitam investigações de ilícitos relacionados à corrupção e à lavagem de dinheiro, como uma forma de blindagem aos chamados “crimes de colarinho branco”.
Operação Alcatraz – Outro exemplo desse tipo de malfeito com o bem público veio à tona no final de maio, com o cumprimento de 11 mandados de prisão e 42 de busca e apreensão durante a deflagração da Operação Alcatraz, também emanada do trabalho de fiscalização da Receita Federal. A descoberta de fraudes em licitações e desvio de recursos públicos, em Santa Catarina, se deu após a Receita identificar a emissão de notas frias para empresas que prestam serviços ao governo estadual.
A investigação que, em sua origem, tinha a sonegação fiscal como foco revelou um grande esquema de corrupção que causou prejuízos estimados em mais de R$ 30 milhões, envolvendo nomes importantes da assembleia legislativa e do governo de Santa Catarina.
Felizmente, a emenda “jabuti” não prosperou no plenário da Câmara e os Auditores-Fiscais permanecem aptos a desempenhar seu sério trabalho de investigação, em “parceria” com outros órgãos de fiscalização – como a Polícia Federal e o Ministério Público Federal – amparados, sobretudo, pela Portaria RFB 1.750/18, que prevê o envio ao MPF de representações para fins penais e por improbidade administrativa.
O sinal de alerta, no entanto, continua intermitente depois de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), colocar sobre a mesa outro projeto de lei (PL 6064/16) – que também trata de assunto estranho à matéria – para ser apreciado pela Casa, em regime de urgência. A ideia, segundo verbalizou o próprio Maia, seria a de incluir a “mordaça” no PL durante seu julgamento em plenário.
Apoio – Como integrante do Grupo de Trabalho da Lava Jato na PGR (Procuradoria-Geral da República), o procurador Marcelo Ribeiro classificou os ataques como “absurdos”, ao enfatizar que as investigações internas da Receita “detectam para além de crimes contra a ordem tributária”, abarcando, também, crimes contra a administração pública e de lavagem de dinheiro. “A ideia de limitar as investigações da Receita me parece que seria como mutilar toda sua gama de atribuições”, protestou o procurador.
Durante a realização do Seminário “Contrabando e Descaminho - Desafios, Estratégias e Ações”, promovido pelo Sindifisco Nacional no dia 6 de junho, em Brasília (DF), outros representantes da Receita Federal e do MPF saíram em defesa da livre atuação do Fisco. O subsecretário da Receita, Auditor-Fiscal Iágaro Martins, criticou duramente a tentativa de sepultar as representações antes mesmo de seu encaminhamento ao Ministério Público. Além de cercear o alcance das investigações – estritamente às questões tributárias – a “emenda da mordaça” determinava que a comunicação de indícios de outros crimes somente poderia se dar mediante autorização judicial. “Como é que um membro do Ministério Público vai pedir em juízo o compartilhamento de uma informação que ele nem sabe que existe?”, asseverou o Auditor.
Diante do risco de retorno da emenda “jabuti”, a Diretoria Executiva do Sindifisco Nacional tem feito tratativas com dezenas de deputados e senadores, especialmente as lideranças partidárias, com o intuito de prevenir os parlamentares e afastar a possibilidade de aprovação de um eventual retalho ao PL 6064. “A ameaça de que isso retorne continua, é premente, e por isso tem ocupado todas as nossas atenções”, comentou o presidente do Sindifisco, Auditor-Fiscal Kleber Cabral.
Duas semanas depois de ganhar regime de urgência, o PL 6064 ainda não foi pautado para apreciação pelo plenário da Câmara.
Jornalismo DEN
Last modified on Quinta, 04 Julho 2019